No dia amanhecido, o sorriso aberto...
Bênçãos para todos os que moravam em sua lembrança, mortos ou vivos.
Havia algum tempo, descobrira que sorrir ainda era o melhor remédio e abençoar os outros, uma eficaz proteção.
Alongou-se, ainda na cama e rolou o corpo para o lado tocando o chão com os pés... Foi até a janela, escancarou-a.
O ar úmido e fresco lhe dava imenso prazer!
No banheiro, olhou-se no espelho e disse bom dia. A imagem correspondeu sorrindo...
Apesar da pele clara e sem manchas, as rugas já se faziam presentes.
Os cabelos, ainda eram bonitos como antigamente e os olhos conservavam algum brilho...
Mas, era um rosto que estava inexoravelmente envelhecendo.
Aceitava isso sem problemas, mas gostava de se lembrar da bela mulher que sempre fora e ainda lhe rendia elogios.
O sorriso tornou-se sonhador ao se lembrar de Jorge, o poeta...
Morava na esquina. Muito jovem.
Havia lhe enviado versos, versos de amor...
“Do teu sorriso me encantei, da bela imagem, embriaguei”... Ela sorriu de novo, sacudindo a cabeça.
Era apenas um garoto...
Mas, não podia negar o quanto ficara feliz ao receber os belos poemas e não encontrava explicação para o coração acelerado, a cada verso apaixonado e algumas vezes, até mesmo atrevido.
Dolores abriu a torneira e deixou as lembranças escorrerem.
Sua vida não tinha sido lá, muito bonita.
Os filhos, esses sim, fizeram valer cada dia vivido...
Mas, agora adultos, cada qual vivia a própria vida dentro de suas convicções e tornara-se com eles, mais amiga do que mãe.
Pássaros que alçaram belos vôos...
O casamento fracassado, cujos laços nunca tivera coragem de romper, fizera dela e de Umberto, pessoas distantes e desconhecidas que se respeitavam e acomodavam a vida em formatos cômodos e práticos...Como se não houvesse outro caminho, e o corpo nada mais precisasse que vestes limpas e boa alimentação.
Isso já fazia mais de vinte anos.
Lavou o rosto, com a água fria e o sabonete cheiroso...Valorizava muito o cheiro de tudo.
Jorge já lhe pedia um encontro...Era louco!
Ela é quem deveria manter a lucidez e o equilíbrio. Não era fácil... Ele estava revolvendo terras a muito não lavradas e, portanto férteis.
Havia de achar uma maneira de conservá-lo longe. Não seria a primeira vez. Já passara por situações semelhantes, mas esse rapaz...
Nossa! Se perdera no horário.
Passar o café, descascar as frutas, colocar a mesa...
Já estava atrasada para o inicio de mais um dia.
Escolhera viver seus dias com alegria e afastaria todas as nuvens que pudessem toldar-lhe o sol...
Março/ 2007
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